sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sol: A noite é má conselheira

Contar carneiros. Ir dar uma volta, ver um programa de TV soporífero (os da madrugada), regar as plantas, beber um chazinho sem teína. Quantos de nós já não experimentaram uma noite a forçar o sono sem recebermos qualquer visita desta faculdade repousante?

Pior: quantos de nós não experimentam a sensação de insónia todas as noites? O desaparecido actor australiano Heath Ledger era uma das poucas figuras públicas que confessaram publicamente o seu distúrbio de sono. Ao ponto de a sua morte prematura, aos 28 anos, poder ter sido causada pela ingestão em excesso do medicamento que lhe estava prescrito para a insónia, num acto de desespero.

Há anos que o holandês Eus Van Someren, director do Departamento do Sono e da Cognição no Instituto Holandês para as Neurociências, aplica os seus conhecimentos no estudo dos insones.

A abordagem que propõe é diferente. Explicou-a esta semana no simpósio Aquém e Além do Cérebro, subordinado este ano ao tema Sono e Sonhos, promovido no Porto pela Fundação Bial. Trata-se de olhar para o cérebro e procurar respostas. Ou seja, através do uso da ressonância magnética: «Esta nova abordagem devia ser experimentada em muitos subtipos de insónia. Vai dar-nos novas perspectivas sobre onde pode estar situado o problema crucial para cada um desses subtipos», explicou ao SOL em entrevista por e-mail.

Convém explicar que a insónia não é um problema único nem facilmente isolável, e por isso os cientistas arrumam-na hoje em subtipos (ver texto na página 56).

A nova técnica, apressa-se a dizer Van Someren, não vem para substituir as clássicas – como a terapia psicológica, acrescida de alguns fármacos – mas vem dar uma ajuda.

E até já começou a surpreender os cientistas que se dedicam às noites em branco. A começar pela própria natureza da insónia. «Muitas pessoas que são tratadas podem nunca vir a ter ‘bom’ sono», mas apenas tentar melhorar esse desempenho, de uma forma mais ou menos precária. Isto porque a insónia «é em parte hereditária», continua Van Someren.

Novas pistas

Se a trazemos nos genes, então não nos resta senão baixar os braços? Nem pensar. O que está ao alcance dos cientistas, neste ponto, é alargar a capacidade de fazer diagnósticos correctos para cada paciente.

Numa das experiências levadas a cabo pelo grupo do holandês, a observação centrou-se num subtipo de insones com ‘bom comportamento’ ao nível neuropsicológico e que não apresentavam os níveis de ansiedade e de depressão presentes noutras pessoas que sofrem do mesmo mal.

Escolhido o grupo de estudo, vieram ainda mais surpresas. A ressonância magnética mostrava que alguns respondiam bem ao tratamento indicado, enquanto outros nem por isso. Estes acabaram por se tornar o ponto de maior interesse do estudo: «Fornecem novas pistas sobre quais as partes do cérebro que nos tornam mais vulneráveis ao desenvolvimento de insónias».

O recurso à imagem para destrinçar a insónia no cérebro pode levar a novos tratamentos, mas também a perceber que coisas tão simples quanto melhorar a posição de repouso à noite podem ser fundamentais, sem que nos apercebamos disso. «Se os sistemas de regulação do sono no cérebro recebem um sinal fraco das áreas de sensação de conforto, talvez a ‘luz verde’ para desligar a consciência não seja suficientemente forte», explica o neurologista.

Mas as conclusões também podem indicar que o tratamento pode ser reforçado por fármacos próprios.

De qualquer modo, Van Someren deixa o aviso de qualquer especialista nesta área. «Devíamos preocupar-nos mais com as horas que dormimos», até para combater diversos males, que vão da depressão e da ansiedade, passando pela dificuldade de compreensão e de aplicação dos conhecimentos abstractos, até à obesidade. «Já alguém reparou que é mais fácil começarmos a comer mais se dormirmos menos?», questiona. Para já, enquanto as conclusões vão saindo dos laboratórios, a receita é simples: «Estou convencido de que aderir às nossas necessidades compensa».

http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=45621

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